Maceió é (pode ser) aqui! O debate sobre a extração de sal-gema no Espírito Santo
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Maceió é (pode ser) aqui! O debate sobre a extração de sal-gema no Espírito Santo

A extração do mineral no estado representa um grave risco de novo crime ambiental

João Paulo Valdo 13 dez 2023, 10:43

Foto: Conceição da Barra / Wikimedia Commons

No dia 16 de novembro o governo do Espírito Santo publicou o decreto nº 5546-R/2023, que cria o Grupo de Trabalho Interinstitucional para o Desenvolvimento Sustentável do Polo de Sal-gema em Conceição da Barra. Os trabalhos do GT serão presididos pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, sob a gestão do ex-deputado federal do União Brasil e grande entusiasta da extração do sal-gema, Felipe Rigoni Lopes.

Esse decreto expõe dois pontos fundamentais: i) a ausência da participação da sociedade civil; e ii) o privilegiamento da participação do setor empresarial, que neste caso são as quatro empresas que arremataram num leilão em 2021 onze áreas de exploração. São elas: Dana Importação e Exportação Ltda, José Augusto Castelo Branco, Pedras do Brasil Comércio Importação e Exportação Ltda e Unipar Carbocloro S.A.

O fato é que a ausência da sociedade civil na composição GT não é algo alheio aos processos predatórios de exploração de recursos naturais no Brasil. Via de regra as comunidades e os movimentos sociais são alijados dos processos decisórios e acabam amargando os impactos dessas extrações de diversas maneiras como a expulsão dos seus territórios, contaminação da água e do solo, possíveis desastres, dentre outros.

O caso de extração de sal-gema na cidade de Maceió, em Alagoas, pela empresa Braskem – presente em 10 países, dos quais 4 estão na América Latina – veio novamente à tona depois do decreto de estado de emergência em decorrência do risco iminente de colapso de uma mina no município alagoano, que é considerado o maior desastre socioambiental mundial em curso em áreas urbanas e já afetou diretamente cerca de 60 mil famílias que foram remanejadas para outros lugares.

Desde 2018 quatro bairros (Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Pinheiro) vêm sofrendo com os resultados de exploração de sal-gema na região. Constantes abalos sísmicos, afundamentos, infiltrações, crateras e rachaduras em prédios comerciais, apartamentos e residências populares, fizeram com que a população, compulsoriamente, deixasse suas casas, suas vidas e suas histórias em mais um episódio de desastre ambiental na história no país, que já acumula os crimes de Mariana e Brumadinho como maiores crimes ambientais da nossa história.

Há no Espírito Santo, segundo informações da Agência Nacional de Mineração, a maior reserva de sal-gema da América Latina. São 12,2 milhões de toneladas, distribuídas em 11 áreas, muitas delas estão localizadas nos municípios de Conceição da Barra, Ecoporanga e Vila Pavão, que representam 70% da atual reserva nacional.

Se o estado tem 70% da reserva nacional, considerando que o Brasil está entre os maiores produtores de sal do mundo, estamos diante de um contexto bem particular e complexo, que merece atenção, formulação e ação dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil sobre a extração desse mineral em terras capixabas. Outro fator importantíssimo é que a jazida presente no município de Conceição da Barra está em um território de Área de preservação permanente, do Parque Estadual de Itaúnas, do Parque Natural Municipal de Conceição da Barra e de comunidades quilombolas.

Portanto, a consciente ausência da participação popular no Grupo de Trabalho Interinstitucional para o Desenvolvimento Sustentável do Polo de Sal-gema em Conceição da Barra é proposital, infringindo, inclusive, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que prevê consulta “prévia, livre e informada” aos povos e comunidades tradicionais, além dos princípios democráticos constitucionais que garantem a participação da sociedade civil através do controle social.

É mais que urgente que este decreto seja revisto para incluir as instâncias do controle social, como os conselhos; as comunidades quilombolas e as demais organizações da sociedade civil de Conceição da Barra, para que a população possa participar deste processo que vai impactar diretamente o município e suas vidas. É fundamental que o estado, bem como as secretarias estadual e municipal e seus respectivos órgãos, responsáveis pelo licenciamento ambiental e supervisão e monitoramento dos parques estaduais e municipal, sejam pressionados para não liberarem a extração de sal-gema e atuarem de maneira a
garantir a participação popular nos debates.

A garantia que o decreto oferece em relação a participar empresarial – expressa no parágrafo 1º do decreto – é parte de um projeto político e econômico que desempenha a atividade mineral de exploração nos territórios que visa à maximização do lucro em detrimentos das comunidades locais e suas formas de organização, e no caso de Conceição da Barra, as comunidades quilombolas, que fazem parte de uma região do norte do estado que há décadas enfrentam o racismo ambiental, os conflitos socioambientais com as grandes empresas e lutam pela justa demarcação de terras.

Não seria imprudente afirmar que uma possível extração de sal-gema no norte capixaba é uma tragédia anunciada. Ainda que haja um discurso aparente de que as comunidades poderão ser “sócias” deste empreendimento, que na essência representa a destruição dos seus territórios. Os exemplos com as devidas especificidades dos desastres ambientais no país, temos os mais variados, assim como os resultados destes processos, onde se arrastam por anos processos na justiça para responsabilização das empresas e a co-responsabilização do estado, além das indenizações às famílias atingidas que também enfrentam extensas batalhas judiciais por justiça e reparação.

No entanto, há um elemento que unifica os impactos desses desastres: é sempre o povo explorado e oprimido que sofre com os desastres ambientais. São as comunidades tradicionais, os povos originários, as comunidades pesqueiras e as comunidades periféricas, majoritariamente formada por pessoas negras, que sentem no cotidiano as consequências desses grandes empreendimentos que representam um ataque às suas formas particulares de organização social. É o lucro acima da vida!

Brumadinho, Mariana, Maceió, as enchentes em diversas cidades do Rio Grande do Sul e onda de calor que acometeu o país nas últimas semanas, impõe a necessidade de alterarmos a rota desse modelo desenvolvimento capitalista predatório que destrói o meio ambiente e coloca em cheque a humanidade e o seu futuro. Somente uma alternativa civilizatória radical possibilita colocar a rota do desenvolvimento na direção das necessidades humanas. O ecossocialismo é agora!


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