Por uma Europa dos povos, contra a fortaleza do capitalismo na União Europeia
arton22411-fa261

Por uma Europa dos povos, contra a fortaleza do capitalismo na União Europeia

Enquanto as fronteiras europeias ficam cada vez mais rígidas contra imigrantes, o grande capital ataca os trabalhadores do continente

Eric Toussaint 22 mar 2024, 13:22

Foto: CADTM

Via CADTM

A União Europeia (UE) teve origem na Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA), o “mercado comum”. A construção europeia baseou-se no primado do mercado capitalista, na produção industrial em função dos interesses do grande patronato, e não dos trabalhadores/as, nem dos povos que constituem a Europa.

 A lógica da UE consiste em ser competitiva no mercado mundial, por exemplo em relação à China, com os seus baixos salários, o que implica empurrar para baixo os salários europeus e os direitos sociais conquistados na luta

A União Europeia é uma estrutura antes de tudo econômica, que visa alargar tanto quanto possível um mercado comum onde as empresas possam vender os seus produtos… assim como explorar e pôr em concorrência os trabalhadores/as, tirando partido das diferenças salariais (o salário mínimo legal bruto búlgaro é de 330 euros, ou seja seis vezes menos que na Bélgica ou na França, onde ronda os 2000 euros) e dos estatutos sociais, as conquistas sociais. A lógica da UE consiste em ser competitiva no mercado mundial, por exemplo em relação à China, com os seus baixos salários, o que implica empurrar para baixo os salários europeus e os direitos sociais conquistados na luta.

Além disso, as empresas podem empregar na Itália trabalhadores/as búlgaros ou polacos, pelo salário mínimo desses países. As diferenças salariais, as diferenças dos sistemas de proteção social e as diferenças fiscais (impostos e taxas) permitem aos patrões exercer pressão sobre os trabalhadores/as, ameaçando-os/as com deslocamentos e importando produtos que fazem concorrência e dumping aos produtos locais.

A UE impõe constrangimentos não só à “livre concorrência” mas também à dívida pública. Neste caso podemos mencionar a famosa regra de limitar a 3% o défict público e a 60% a relação entre a dívida pública de um estado e o seu PIB. Estas regras dão aos governos dos diversos países os meios para impor a austeridade, a desregulamentação, a privatização dos serviços públicos e os atentados contra os direitos e conquistas sociais.

Entre 6 e 9 de junho de 2024 haverá eleições para o Parlamento Europeu nos 27 estados membros da UE. É importante participar nas eleições europeias e estudar os programas propostos pelos diversos partidos. Mas também é claro que o parlamento europeu não é equivalente a um parlamento nacional: tem muito menos poder; quem elabora os tratados e as regras de funcionamento é a Comissão e o Conselho europeus.

Outro fator político a acrescentar é o peso dos lobbies que representam as grandes empresas transnacionais, além das europeias. Esses lobbies exercem uma grande pressão sobre a Comissão Europeia, sobre os/as comissários e sobre os/as deputados europeus, como ficou demonstrado no escândalo do “Qatargate”, no qual estiveram implicados os deputados belgas, gregos e italianos. Ficou patente até que ponto os estados e as empresas privadas procuram comprar, corromper e influenciar as decisões, para obterem favorecimentos.

Podemos citar, a título de exemplo, as “Big Pharma” que pesaram nas decisões tomadas pela UE sobre a vacina contra o covid-19. Vemos a mesma coisa acontecer em relação aos pesticidas e herbicidas perigosos para a saúde pública: Ursula von der Leyen decidiu não aplicar as medidas previstas, já em si insuficientes. É uma vitória para as grandes firmas como a Monsanto, Syngenta, etc. Ela usou como pretexto as reivindicações dos agricultores/as, quando na realidade o que contou foram os interesses das multinacionais privadas.

No que diz respeito à UE como “potência”, na política internacional a UE mostra-se incapaz ou recusa agir de forma positiva nos conflitos extremamente graves, seja no território europeu, seja nas proximidades da Europa. Em relação ao conflito extremamente grave na Ucrânia, invadida pela Federação Russa, o peso da UE é muito fraco, pois tudo é determinado pela situação subordinada da Europa no seio da OTAN. Nesta aliança são os EUA quem toma a maioria das decisões sobre o curso da guerra e a existência ou não de negociações para lhe pôr fim. O certo é que os/as dirigentes europeus aproveitam a guerra para encorajar o aumento das despesas militares e para reforçar o complexo militar-industrial europeu. Na Palestina são também os EUA que apoiam directamente Israel e a UE vai a reboque – deixa Israel prosseguir uma política genocida contra o povo da faixa de Gaza, reforçar os colonatos ilegais e tomar medidas brutais contra o povo palestiniano. A UE recusa suspender os acordos comerciais e culturais com esse país que pratica o apartheid e esmaga o povo palestino.

No entanto, a UE exerce um poder forte quando se trata de comportar-se como uma Europa-fortaleza: aí, emprega grandes meios e fornece um orçamento elevado à Frontex, não regateando helicópteros, aviões, navios e pessoal para evitar os/as candidatos a refugiados e os migrantes em geral a alcançarem território europeu.

Além disso a UE assina acordos de parceria econômica com países e regiões econômicas: a comunidade da África Ocidental (CEDEAO), a comunidade andina, o MERCOSUL (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai), atualmente em negociações. Esses acordos impõem geralmente aos países ou regiões económicas a abertura aos interesses económicos das empresas europeias. Em troca, a UE abre a sua economia a países onde as regras fitossanitárias nem de perto nem de longe se parecem com as europeias, como sucede na Argentina e no Brasil, principais produtores de soja transgênica para alimentar o gado. Esta realidade é justamente denunciada, por exemplo, pelos/as agricultores atualmente em luta, cujos produtos estão “em concorrência” com os produtos dos grandes exportadores do poderoso agronegócio, no âmbito dos acordos com o MERCOSUR. Tais acordos são favoráveis aos interesses dos grandes importadores europeus, mas desfavoráveis aos pequenos produtores locais, tanto dos países do Sul Global, como da Europa.

No início da crise do covid-19, Mario Draghi, que tinha acabado o seu mandato à cabeça do Banco Central Europeu (BCE) em finais de 2019, declarou, juntamente com a sua sucessora Christine Lagarde, que era preciso aumentar a dívida pública para enfrentar a pandemia. Escusou-se à proposta de fazer pagar o custo da luta contra a pandemia e seus efeitos múltiplos às grandes empresas privadas que tiram proveito da crise: as Big Pharma, as GAFAM, as cadeias de distribuição. Para convencer a opinião pública a não levantar questões sobre o financiamento da luta contra a pandemia, os/as dirigentes europeus aliviaram temporariamente as regras orçamentais. Agora que a dívida aumentou fortemente e o custo do seu refinanciamento explodiu, por causa do aumento das taxas de juro, os/as mesmos dirigentes anunciam o aprofundamento das medidas de austeridade, afirmando que a dívida pública atingiu um nível insustentável. É preciso, mais do que nunca, denunciar as políticas austeritárias, lutar pela anulação das dívidas públicas ilegítimas.

É preciso refletirmos sobre uma refundação da Europa. Evidentemente temos necessidade de uma estrutura europeia, mas não esta da UE, da zona euro, etc. Temos de desintegrar esta Europa do Grande Capital e substituí-la por uma outra Europa ao serviço dos povos. É preciso um processo constituinte autenticamente democrático e que parta das bases. Isto passaria também por eleições democráticas em sufrágio universal, para eleger delegados/as a uma Constituinte europeia. Esses/as parlamentares teriam o poder de elaborar uma nova constituição da UE e dotá-la de estruturas realmente democráticas, com um verdadeiro parlamento dotado de poderes legislativos. A proposta de um novo tratado constituinte deveria ser sujeita a um grande debate e em seguida a um referendo de sufrágio universal em cada país, antes de ser considerada aprovada. A nova Europa dos povos deveria ser verdadeiramente solidária em relação aos povos do Sul Global e pagar indemnizações pela pilhagem econômica, pelas violações dos direitos humanos provocadas pelos governantes e grandes empresas europeus desde há séculos até hoje, pelos estragos ecológicos desastrosos causados por políticas encorajadas pela UE… Precisamos de uma Europa feminista, ecológica, socialista, internacionalista e pacífica.


TV Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti

O PL da Uber é um ataque contra os trabalhadores!

O projeto de lei (PL) da Uber proposto pelo governo foi feito pelas empresas e não atende aos interesses dos trabalhadores de aplicativos. Contra os interesses das grandes plataformas, defendemos mais direitos e melhores salários!

Greve nas Universidades Federais

Confira o informe de Sandro Pimentel, coordenador nacional de educação da FASUBRA, sobre a deflagração da greve dos servidores das universidades e institutos federais.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 21 abr 2024

As lutas da educação e do MST indicam o caminho

As lutas em curso no país demonstram que fortalecer a classe trabalhadora é o único caminho para derrotar a extrema direita
As lutas da educação e do MST indicam o caminho
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 48
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão