Em memória de Sigmund Freud
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Em memória de Sigmund Freud

No aniversário do fundador da psicanálise, publicamos o poema de W.H. Auden em sua homenagem

W. H. Auden 6 maio 2024, 08:31

Foto: Christie’s/Wikimedia Commons

Quando há tantas pessoas a quem devemos lamentar,

quando se tornou assim tão publica a aflição e expôs

à critica de toda uma época

nossa frágil consciência, nossa angustia,

de quem iremos falar? Se todos os dias morrem

entre nós os que nos faziam algum bem, embora

nunca o bastante, sabiam, mas

contavam, vivendo,  aumentá-lo um pouco.

Assim era este médico: aos oitenta desejava

refletir sobre a nossa vida, cuja indisciplina

tanto porvir plausível, jovem,

quer domar com ameaças ou lisonjas,

mas seu desejo foi negado: ele fechou os olhos

sobre o último quadro, a todos nós comum, de problemas

como parentes congregados

perplexos e ciumentos de morrermos.

À volta dele, até o último alento, se postaram

aqueles, fauna da noite, a quem havia estudado,

e sombras inda à espera de entrar

no claro âmbito do seu entendimento,

foram-se alhures com seu desaponto quando ele,

afastado do interesse de toda sua vida

voltou de novo à terra, em Londres,

importante judeu morto no exilio.

Só o Ódio é que ficou feliz, na esperança de aumentar

sua clinica então e sua sórdida clientela

que pensa curar-se com matar

e cobrir depois de cinzas os jardins.

Eles estão vivos ainda, mas num mundo que ele

mudou com olhar para trás sem falsos pesares;

tudo quanto fez foi, como os velhos,

lembrar e, como as crianças, ser honesto.

Nunca jamais foi esperto: limitava-se a dizer

ao Presente infeliz que recitasse o Passado qual

uma lição de poesia até

mais cedo ou mais tarde hesitar no verso onde,

havia muito, as acusações tinham começado,

e repentinamente descobrir quem o julgara,

como a vida, fora rica e tola,

e, com a vida perdoada e mais humilde,

poder aproximar-se do Futuro como amigo

sem um guarda-roupa inteiro de desculpas, sem uma

máscara de retidão ou gesto

de embaraçosa e excessiva intimidade.

Não admira que as antigas culturas presunçosas

na técnica de deslocamento dele antevissem

quedas de reis, colapsos dos

seus lucrativos padrões de frustação;

se ele tivesse êxito, a Vida Generalizada

tornar-se-ia impossível o monolito do Estado

seria quebrado e impedida

a colaboração dos vingadores.

Claro que invocavam a Deus, mas ele prosseguia em seu

caminho para baixo, até a perdida gente, como Dante,

até a vasa onde os ofensos

levam a vida vil dos rejeitados,

e nos mostrava que eram o mal, não, como pensávamos,

atos a serem punidos, mas nossa falta de fé,

nosso modo desonesto de

negar a concupiscência do opressor.

Se traços da atitude autocrática, do paternal

rigor por que tinha suspicácia, ainda se apegavam

às suas palavras e feições,

eram só um colorido protetor

de quem viveu tempo demais entre gente inimiga;

se estava a miúde errado e eram algumas vezes absurdo,

já não é mais uma pessoa

para nós, mas um clima de opinião

dentro do qual vivemos nossas diferentes vidas:

como o tempo ele só pode ajudar ou atrapalhar;

o soberbo continua a sê-lo,

acha porém mais difícil, o tirano,

tenta enganá-lo, mas não se importa muito com ele:

sem alarde ele afeta o nosso desenvolvimento

até os exaustos, mesmo no

ducado mais remoto e miserável,

sentirem em seus ossos a mudança e animarem-se,

até a criança inditosa, no seu pequeno Estado,

algum lar sem liberdade,

colméia cujo o mel é medo e angustia,

sentir-se mais calma agora e certa de uma saída

qualquer, enquanto, na grama da nossa negligência,

tantos objetos esquecidos

pelo seu brilho não encorajado,

nos são devolvidos e de novo tornam-se preciosos;

brinquedos que achávamos ter de deixar quando grandes,

barulhinho de que não ousávamos

rir, caretas que fazíamos a furtos.

Mas ele não deseja mais do que isso. Ser livre

é com frequência estar sozinho. Ele cuidava de unir

metades desiguais, rompidas

por nossa boa intenção de sermos justos;

de devolver aos maiores a agudeza e vontade

que os menores possuem e costumam somente usar

em tolas disputas, dar de volta

ao filho a opulência do sentir materno:

ele cuidava acima de tudo era de lembrarmos

que nos deixássemos arrebatar pela noite, não

apenas pelo senso de pasmo

que por si só nos dá, mas também

por que precisa o nosso amor. Os grandes olhos tristes

de suas doces criaturas rogam mudamente

que a convidemos a seguir-nos;

são banidos que aspiram ao futuro

que está em nossas mãos, eles também se alegrariam

se lhes permitissem servir, como ele, à iluminação,

e suportar nosso grito: “Judas!”

como ele suportou e os que o servirem.

Uma voz racional calou-se. Sobre a sua tumba,

a família do Impulso pranteia um ente querido.

Eros está triste, o construtor

de cidades; chora a anárquica Afrodite.

Tradução de José Paulo Paz, do Livro “W.H. AUDEN – Poemas”, Companhia das Letras.


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