A inexatidão científica do campo progressista e o lugar da esquerda
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A inexatidão científica do campo progressista e o lugar da esquerda

Uma reflexão conceitual após o 1º turno das eleições

Leandro Fontes 13 out 2024, 13:14

Foto: Reprodução

Nesse momento ocorre uma chuva de análises do 1o turno das eleições municipais no Brasil. Em linhas gerais, há um reconhecimento quase unânime que a direita (principalmente os partidos do Centrão) e a extrema-direita, saíram fortalecidos. Por consequência, a esquerda ou o chamado “campo progressista” foram derrotados, segundo os principais analistas políticos da imprensa corporativa e da própria esquerda, que por sinal não conhecem ou são indiferentes a consolidação e aos avanços da esquerda do PSOL, sobretudo do MES, nessas eleições.

De todo modo, saltou aos olhos a posição estapafúrdia do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que afirmou, sem nenhum tipo de fundamento, que o governo “saiu vitorioso” das urnas, já que os partidos (PSD, MDB, Republicanos, PP e União Brasil) estão na frente ampla que compõe a 3a administração de Lula. Evidentemente, não se deve levar a sério esse tipo de posicionamento alienado da realidade. Por outro lado, também me parece equivocado colocar no mesmo balaio o resultado eleitoral da esquerda com figuras como Eduardo Paes (como divulgou o ICL e parte do petismo). Esse tipo de equação inexata só se encaixa na fórmula sem critérios do que atualmente é chamado de “campo progressista”.

Nesse sentido, a proposta desse artigo não é fazer uma nova avaliação eleitoral entre varias já publicadas. Pelo contrário, de minha parte, reivindico e recomendo o balanço eleitoral desenvolvido pelo Secretariado Nacional do MES, que traz uma abordagem mais robusta do processo. Contudo, estou convencido que um ponto precisa ser refletido em separado, até porque, ele em si não se resume neste processo eleitoral. Quer dizer, o “campo progressista” e a esquerda – em sua variedade de coloração – se tornaram a mesma coisa em última instância?

Afinal o que é o “progressismo” conceitualmente? Sabemos que existe uma organização internacional que se denomina “progressista”, tendo acompanhamento prioritário os países da América Latina e Caribe, defendendo posições acunhadas num tipo de transformação gradual da sociedade, com sustentabilidade do meio ambiente e posições mediadas frente as ameaças de governos e correntes de direita que representam um retrocesso civilizatório. De tal forma, embora possa haver espaço para parcerias em pautas comuns como o combate ao fascismo, essa organização ainda se mostra limitada na posição de reformar o capitalismo. Em todo caso, a ideia mais fecunda do que se chamou de “progressismo” não se explica pela existência dessa internacional. Mas, pelo período de ascensão dos governos independentes latino-americanos, encabeçados por Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Esses governos, sobretudo de Chávez, foram marcados por medidas transitórias que elevaram a consciência da luta anti-imperialista e retorno do socialismo como hipótese em nosso continente. No entanto, o “progressismo” propagado atualmente pela vanguarda brasileira – que vai de Eduardo Paes, passando pela neoliberal Tabata Amaral até chegar em Nicolás Maduro – não tem nada que ver com esse histórico e não apresenta consistência científica em programa político.

De tal modo, esse debate pode parecer sem relevância num primeiro olhar. Porém, a partir da narrativa da existência de um “campo progressista” genérico e diluído da esquerda, equívocos e capitulações foram cometidas nos últimos anos. Assim sendo, o PSOL do Rio de Janeiro, que foi o maior bastião de força do partido em âmbito nacional, é um dos exemplos mais cristalinos dessa contradição e que, portanto, sofreu as consequências drásticas da errônea política do campo majoritário (leia-se: Freixo em aliança com Insurgência, Subverta, Primavera Socialista, Revolução Solidária e a corrente dos “Independentes” encabeçados por Chico Alencar) que desaguou o partido numa frente ampla (com César Maia, Armínio Fraga e o PSDB) em 2022, sob a embalagem de “campo progressista” contra o neofascismo.

Essa linha equivocada e capituladora já tinha sido ensaiada em 2020 por Freixo, que lutou por um acordo com Paes e setores da burguesia. Isto é, antes da necessária unidade de Lula e da esquerda com setores da direita liberal para derrotar nas eleições Bolsonaro dois anos depois. No entanto, em 2020, a correlação de forças não permitiu essa inflexão à direita do partido. Não foi à toa, que o PSOL Carioca, corretamente, manteve candidatura própria, que foi encabeçada pela deputada estadual Renata Souza sob total abandono de Freixo. Todavia, a política do “PSOL de cara própria” e da apresentação de um programa de esquerda, se mostrou acertada e, mesmo na ausência de sua maior figura publica – até então – no pleito, o partido elegeu sete vereadores. Ou seja, a maior vitória eleitoral proporcional de sua existência.

É importante que se diga: nos debates prévios da eleições de 2022, as correntes da esquerda radical do PSOL (MES, APS, Fortalecer, LRP, Mandato Glauber e Milton Temer), que, nesse momento, tiveram apoio da corrente Resistência, não ignoraram (com exceção da CST que rompeu com o partido em 2023) a necessidade de uma frente democrática nas eleições e nas ruas contra a reeleição de Bolsonaro que significava uma mudança regressiva do regime político do país. Mas, a eleição no Estado contra Cláudio Castro era de outra natureza. Não por acaso uma parte do PT fluminense, dirigida por André Ceciliano e Quaquá, apoiou, respectivamente, Castro e Rodrigo Neves (PDT) contra Freixo, que nessa altura – num movimento orquestrado com parte do campo majoritário do PSOL – se candidatou pelo PSB de Molon. Por essa fórmula, conforme descrevi neste artigo, o campo majoritário do PSOL/RJ decidiu não ter candidatura própria ao governo do Estado e ao senado.

Assim sendo, a legenda 50 do PSOL, até aquele momento o maior partido da esquerda do Rio, deixou de existir para dar lugar ao 40 do PSB, que abrigou momentaneamente Marcelo Freixo para este colocar sua “frente ampla progressista” à prova, defendendo um programa liberal para o Rio de Janeiro. O resultado foi desastroso para Freixo, que não só perdeu a eleição no 1o turno como se descredenciou de uma vez por todas como líder de esquerda, tendo como agravante a negação de seu histórico político como parte de uma tentativa frustrada de se moldar para os olhos do sistema como uma alternativa palatável e democratizante da ordem. Ou seja, Freixo deixou de ser de esquerda para se transformar num tipo de político “progressista” que defende o regime democrático burguês e uma plataforma que oscila de social-liberal para neoliberal.

Diferente de Freixo, “o Lula que não deu certo” como escrevi, o PSOL-RJ preservou com muito esforço seu espaço eleitoral em 2022. Porém, não sem contradições. Isto é, o partido teve que gastar seu prestigio e autoridade programática, acumulada em uma década de construção, para justificar o apoio, sem representação na chapa majoritária, a uma candidatura que não teve forma e conteúdo de esquerda, em nome de uma “frente ampla” comandada por “progressistas”.

Quer dizer, para além do erro de ter apoiado uma chapa liberal (Freixo/Maia), o PSOL-RJ acabou endossando um método que não explica e, tampouco, dá nome e o conteúdo do que faz. Ou seja, uma coisa é ser parte de uma frente com frações da burguesia para derrotar uma ameaça neofascista. Outra, muito distinta, é se aliar a um desertor da esquerda com César Maia, Arminio Fraga, André Lara Resende e tucanos no pacote com a embalagem de “progressismo”, para gerir um Estado onde o governador contava com apoio de parte superestrutural do PT-RJ. Portanto, qual foi o recado que o PSOL deixou nesse episódio para fora e, como veremos, para dentro? O partido pode e deve, sob a liderança nacional de Lula, apoiar projetos “progressistas” desse tipo, tendo como “aliados” antigos inimigos de classe, como é o caso de César Maia que governou a cidade do Rio e foi permissivo ao desenvolvimento das milícias.

O resultado dessa política, aplicada em linhas gerais pelo campo majoritário do partido, chegou em 2024. Aliás, o jornal O Globo de domingo das eleições (06/10/2024) publicou uma especie de balanço da campanha dos principais candidatos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Sobre Boulos, O Globo destacou: “RECUO CONTRA A PECHA DE RADICAL – Boulos reviu posições e moderou discurso”. Sobre Tarcísio Motta, o jornal destacou: “FRUSTRAÇÃO E ESQUERDA NO DIVÃ – Tarcísio se estranha com Freixo e patina”. A verdade é que Freixo tem e não tem a ver com a síntese publicada pelo Globo. A rigor, Freixo foi a expressão mais acabada e acelerada de uma política gestada nas correntes reformistas e social-liberais do PSOL, em particular Primavera Socialista (que perdeu a prefeitura de Belém com Edilson Rodrigues) e Revolução Solidária, que são apoiadas por parlamentares ou aspirantes de parlamentares, que buscam como objetivo final suas próprias carreiras. Por isso, o partido perder sua identidade e independência, não é uma questão em voga para esses setores, que, por sinal, não hesitaram em se adaptar na aba do chapéu do lulo-petismo. Não é à toa a naturalização das posições capituladores da maioria da bancada federal do PSOL (com exceção de Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna e Gláuber Braga) em projetos regressivos do governo.

De tal maneira, o final desse processo, que ainda não terminou por conta do 2o turno, pode significar uma derrota sem precedentes para o campo majoritário do PSOL que de modo consciente diluiu o partido na estratégia do petismo, que é moderar e conciliar para Lula governar o país. No caso do PSOL, governar prefeituras. E quem defende “a democracia” (burguesa) é parte do mesmo campo que nós, isto é, “progressista”. Acontece que essa estratégia é tão destoante do programa do partido que fica difícil computar os dois candidatos de momento no 2o turno das eleições como parte da esquerda que o PSOL representou. Isto porque Boulos e sua campanha com programa rebaixado, está mais para uma espécie de PT “reciclado” e Yuri Moura em Petrópolis – defendendo Parceria Público Privada, tendo como modelo a prefeitura de Eduardo Paes e comemorando apoio do Republicanos – é qualquer coisa, menos um candidato psolista. Mas, pode-se dizer que os dois são candidatos do inexato e elástico “campo progressista” na forma e no conteúdo.

Por isso, para pegar um exemplo concreto, o que derrotou Tarcísio Motta – que teve o mérito de não rebaixar o programa como Boulos – e fez a maior bancada do PSOL carioca descomprimir de sete para quatro, não foi o voto útil de Freixo em Paes. Mas, a política capitulada pela direção majoritária do partido que foi permissiva à construção de um engodo, que é a transformação de Eduardo Paes (que teve apoio de bolsonaristas como Otoni de Paula), um clássico político burguês da direita liberal, que conciliou com as milícias, atacou profissionais da educação com bombas e perseguiu camelôs, em uma das figuras do hall pitoresco “campo progressista”.

Portanto, o descabido passou a ser considerado via a generalização oportunista da frente ampla que, por vias tortas, transformou antigos inimigos de classe em aliados “progressistas”. Tudo isso combinado com a moderação do discurso e o rebaixamento do programa em nome do combate ao fascismo. De tal modo, o resultado das urnas e a apatia social demonstra que a esquerda deve voltar a ser e se denominar como Esquerda, tal como o exemplo da unidade de Porto Alegre (uma composição com os partidos da classe, hegemonizada pelo PSOL e o PT mais ideológico do país, sem burguesia e sem atalhos que levam para as derrotas), sem medo de sua natureza e do sentido de sua existência, que, em nosso tempo é derrotar o neofascismo como tarefa imediata, sem perder o sentido de unidade de ação nas ruas e a capacidade da organização e mobilização dos trabalhadores, dos explorados e excluídos, tendo como horizonte uma sociedade socialista – que não é a democracia liberal e dos ricos – como perspectiva de futuro. Essa foi a fórmula do movimento operário que derrotou o fascismo no primeiro quarto do século XX. Aliás, nesse mês de outubro (07/10) completou 90 anos da Revoada dos Galinhas Verdes, um episódio que foi um marco e a grande prova de fogo da luta antifascista no Brasil, coordenada pela Frente Unica Antifascista, que teve os trotskistas como direção em unidade com sindicalistas, anarquistas e o Comitê Regional do PCB dirigido por Hermínio Sachetta (que em seguida adere as teses da Oposição de Esquerda). Portanto, não há razão prática para diluição dessa essência diante do rechaço das massas em “tudo que está aí”. Por isso, a bandeira antissistema deve ser disputada pela esquerda, que significa o abandono da defesa canônica das instituições apodrecidas do poder e da ordem burguesa, tal como é feita pela maioria dos “progressistas” de hoje.


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Pedro Micussi