Por trás das máscaras: nas trincheiras da vida, alguém luta por você

Enquanto conversamos por aqui, alguém luta por você, num hospital, numa periferia ou num posto de saúde.

Israel Dutra 8 abr 2020, 16:49

Escrevo esse pequeno artigo pensando nos profissionais de saúde. Tem sido comovente a disposição e a moral dos que combatem pela vida. No âmbito pessoal, tenho testemunhado o esforço da minha irmã, tomando plantões e horários extras num hospital da região metropolitana de Porto Alegre, além de seu trabalho normal. São centenas de caso de nossos camaradas, ativistas da saúde, como os de Porto Alegre, onde diversos diretores do sindicato testaram positivo; estamos numa guerra e o coração da luta são os profissionais de saúde. Em meio à grave crise política fomentada pelo presidente negacionista, que conduz o país ao desastre, um panelaço, com aplausos e barulhos foi convocado ontem, no dia mundial da saúde, para protestar contra o desmonte da saúde e homenagear, como em várias partes do planeta, os que lutam na linha de frente, pelo bem mais precioso: a vida humana. Enquanto conversamos por aqui, alguém luta por você, num hospital, numa periferia ou num posto de saúde.

No cotidiano das redes sociais, uma citação de Ernest Hemingway se tornou lugar comum.  Ela diz mais ou menos assim: “Quem está nas trincheiras ao teu lado? – E isso importa? – Mais do que a própria guerra”. A célebre passagem se encontra no clássico de Hemingway “Adeus às Armas”, que tem como de fundo o romance de um motorista de ambulância com uma enfermeira do exército, no front italiano da I Grande Guerra. O enredo não poderia ser mais apropriado. Os tempos de hoje são tempos de guerra.

Enquanto o país assiste a uma pugna entre os setores fundamentalistas e a defesa da saúde, da vida e da ciência, dezenas de milhares de profissionais da saúde vão a campo, sem as condições nem equipamentos adequados. No turbilhão da crise sanitária e política, os esforços devem ser concentrados na defesa da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, para derrotar a Covid-19 e suas consequências. Se, por um lado, o presidente desobedece as orientações básicas, por outro, governadores, especialistas e mesmo o ministro Mandetta (personagem da semana pelo enfrentamento com Bolsonaro) buscam se escudar nas recomendações da Organização Mundial de Saúde. Mandetta, longe de merecer ser defendido, consegue se localizar aos olhos de milhões como defensor da sensatez, ao levantar a bandeira do isolamento social – ainda que a tenha relativizado ao aceitar certos parâmetros de acordo com Bolsonaro para “flexibilizar” a quarentena. Isso explica sua popularidade em pesquisas de opinião. A ampla maioria da população brasileira tem uma visão solidária e cuidadosa sobre como combater a pandemia. E a defesa do SUS, como projeto público e universal, se faz amplamente majoritária no momento de crise.

Tais elementos apontam que existe espaço para um programa emergencial em defesa da saúde e a batalha política por um esforço de guerra, concentrado e organizado pelos trabalhadores. É hora de colocar no centro da arena os sujeitos fundamentais: os profissionais de saúde, os pesquisadores, especialistas e cientistas.

Vivemos um tempo de guerra

A chegada da Covid-19 aos países da América Latina é uma novidade. Até aqui, conhecemos os estragos que o novo coronavírus causou nos países centrais; além da China, podemos falar em verdadeiros desastres econômicos e sociais em grandes potências do mundo. Já são quatro os países que ultrapassaram as mórbidas marcas de 10 mil óbitos: Itália, Espanha, Estados Unidos e França.  Num país marcado pela desigualdade estrutural, com milhões vivendo em condições de pobreza, habitações precárias e sem saneamento, a pergunta sobre como o Brasil conviverá com a pandemia não pode ser respondida com certeza. O que se sabe é que é necessário cobrar o isolamento social e o fortalecimento da atividade de saúde pública. É nesse fortalecimento que vamos viver o verdadeiro esforço de guerra que começa a ganhar forma nas grandes cidades do país.

Um esforço de guerra significa um momento extraordinário na vida nacional. No caso da presente alegoria, não são as forças regulares do exército, mas sim os “batalhões” de trabalhadores de saúde, com os médicos e especialistas, que podem combater. E o papel dos movimentos sociais é gerar a solidariedade ativa aos que estão nas trincheiras, expostos e com condições insuficientes.

Na quinta-feira, 2 de abril, o governo publicou uma portaria que determina o cadastro emergencial de 14 categorias profissionais ligadas à área da saúde para fazer treinamento de urgência, visando a atuar no SUS no combate à pandemia. No mundo, já existem centenas de vítimas entre os profissionais da saúde, com dezenas de milhares de infectados. Até a presente data, a Itália chegou ao índice de quase cem mortes ligadas diretamente a profissionais da saúde.

Apesar das subnotificações, o crescente número de casos alarma a todos. Justamente na terça-feira, 7 de abril, o Ministério da Saúde informou o trágico dado de 114 mortos nas últimas 24 horas. O número de leitos disponíveis é por completo insuficiente. O caos da saúde em tempos “normais” em estados como o Rio de Janeiro apenas induz o verdadeiro cenário de horror que nos aguarda. As cenas vistas no Equador, com o colapso sanitário e funerário, chocam e indicam o que pode vir pela frente, caso não tenhamos um esforço global e concentrado. Para tanto, o problema dos testes massivos é urgente.

O esforço de toda a sociedade deve ser construído com bases nas orientações da OMS e dos que conhecem o sistema de saúde no Brasil. O distanciamento social e a construção de verdadeiras forças-tarefa nas universidades e centros de pesquisa deve ser acompanhada pela valorização (efetiva) do contingente de trabalhadores da saúde. 

Os sindicatos devem levantar uma bandeira

Em tempos de combate à pandemia, onde o capital se aproveita de qualquer brecha para impor seus lucros sobre a vida, o lugar das organizações do movimento operário é decisivo. Num esforço de guerra, os sindicatos como espaços da auto-organização de classe precisam agir.  Além de recuperar os sindicatos para as mãos dos trabalhadores, rompendo o isolamento que muitos setores fazem dos “formais” e dos “informais” e “terceirizados”, precisamos nos apoiar nos exemplos concretos. Assim, podemos reivindicar o papel que nossos camaradas estão jogando à frente do SindiSaúde no Rio Grande do Sul. Desde o começo da pandemia, o sindicato se coloca na primeira linha da defesa do conjunto dos trabalhadores da saúde, atuando com a linha de proteger os trabalhadores e exigir testes em massa, equipamentos de saúde, investimento maçiço e emergencial no SUS.

O amplo movimento de saúde que se constituiu no Brasil ao longo das últimas décadas deve ser instado a intervir. São muitos anos de acúmulo e tradição, seja no meio sindical, seja no movimento sanitarista de forma mais abrangente, espalhado pelas universidades, redes de saúde pública, atenção primária, postos e grandes hospitais.

Contudo, uma das bandeiras fundamentais é a da contratação emergencial. O atual contingente de pessoal, após o processo de intensa liquidação da saúde, com o desmonte do SUS, a aprovação da EC 95 (PEC do teto de gastos/PEC da morte), não pode dar conta da crise sanitária. O momento é de reforçar o exemplo dos Sindisaúde, de ampliar a campanha para fazer com que o esforço concentrado seja efetivo. O tema da centralização pelo Estado das redes privadas vai se colocar também. A própria prefeitura de São Paulo solicitou a intervenção na rede hospitalar privada “Sancta Maggiore”, ligada à Prevent Senior, depois do número absurdo de mortes registrado – 65 antes da fase mais intensa da pandemia.

O conjunto da classe deve se mover. A defesa da saúde se combina com a luta dos trabalhadores do transporte, que em São Paulo, se materializa na carta de reinvindicações dos metroviários, mas que em cidades como Porto Alegre já se verifica em paralisações parciais de rodoviários, como o da empresa Nortran.

Na Itália, as principais centrais sindicais garantiram uma importante greve geral, no dia 25 de março, mesmo em condições adversas. Ainda estamos no começo da fase mais “crítica” no Brasil, porém, as paralisações devem seguir para garantir a vida dos trabalhadores.

Saúde, pesquisa, independência e solidariedade de classe

Enquanto Bolsonaro e sua claque nos jogam para o precipício, o conjunto da classe trabalhadora precisa reforçar suas posições, em consonância com o melhor da inteligência dos especialistas, da pesquisa e da ciência. Nossas bandeiras são concretas: a imediata ampliação dos EPIs, o fortalecimento do SUS e uma escalada de testes massivos. Para tanto, é necessário apoiar e forçar a reconversão industrial. Precisamos de centenas de fábricas, a começar pela Petrobrás, como principal empresa nacional, para produzir desde máscaras, álcool gel em larga escala, passando por respiradores artificiais, para ampliar rapidamente o número de leitos do SUS. Um plano de obras emergenciais, multiplicando os hospitais de campanha, como foi feito no Pacaembu, em SP, ou na Unicamp em Campinas.

Esse esforço deve ser ordenado pela necessidade de auto-organização. A possibilidade da criação de um comitê nacional de emergência, com os trabalhadores da saúde e seus sindicatos, médicos, especialistas sanitários e organizações da sociedade civil afinadas com a defesa do SUS para fazer valer as reinvindicações.

Como parte do esforço de guerra, precisamos enfrentar com altivez a política imperialista de Trump, que quer monopolizar todos os recursos como máscaras e insumos, deixando os países da América Latina à míngua. Isso é defender os interesses nacionais e de todo povo. A ação consciente do conjunto da classe trabalhadora, a favor das medidas do programa emergencial, é parte da luta contra a Covid-19 e o governo suicida e antipovo de Jair Bolsonaro.


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