Por mais encontros e menos despedidas

Na cultura, quando falta oxigênio para os nossos mestres, somos nós que sufocamos enquanto nação.

Amauri de Paula 13 maio 2020, 17:51

“A hora do encontro

É também, despedida

A plataforma dessa estação

É a vida desse meu lugar

É a vida desse meu lugar

É a vida…”

Encontros e despedidas

Na literatura, a poesia é um terreno pouco explorado pela maioria dos brasileiros que lê prosa. Mas não para a maioria dos brasileiros que ouve música, isso é um fato. Há mais gente ouvindo do que gente lendo. No entanto, são as vozes que dão vazão às letras, as poesias que são conhecidas na imensidão das vezes.

Nestes tempos amargos, não podemos tirar a razão de tantos não conhecerem a importância de pessoas como Aldir Blanc e tantos outros compositores.

Literatura e música! Ambos têm a métrica, têm o reconhecimento e alguns poucos exemplares de ambos galgam o lugar e o status de ser acadêmico e popular.

Então este texto também fará um exercício semiótico, talvez de literatura comparada mesmo, entre a poesia e a não poesia dos dias em que vivemos.

O trecho mencionado na epigrafe desse pequeno texto é uma parceria entre Milton Nascimento e Aldir Blanc, falecido recentemente, vitimado pelo COVID 19. Aldir se junta a um mutirão de artistas que saíram da vida sem serem mencionados pelo poder público atual, que na sua arrogante ignorância não vê a cultura como um dos pilares do crescimento e da afirmação da autonomia. Ignoram que ter a cultura valorizada é o primeiro símbolo de valorização nacional (tão cara em discursos e tão rara em ações) e, sobretudo, de descolonização.

Aldir, que aqui representa artistas, mestres, poetas, palhaços foi mais uma vítima da atual pandemia que assola o mundo. Aldir aqui representa a própria cultura desse país que agoniza em uma maca, numa unidade básica de atendimento esperando um oxigênio que provavelmente não irá chegar nunca.

As políticas de desmonte da cultura nesse país não começaram agora e, sempre que as políticas neoliberais estão com mais força no controle, elas assumem o papel de diminuir a cultura ao mero papel de entretenimento, de espetáculo para ser vendido como subproduto de gestões panis et circensis.

Segundo estudo da Faculdade de Ciências econômicas da UFMG, a parada total da produção cultural do país trará um prejuízo econômico de 11 bilhões. É toda uma cadeia produtiva sem nenhum guarda-chuva institucional financeiro, sem nenhum apoio moral, monetário ou sequer ético (Leia o estudo aqui https://ufmg.br/comunicacao/noticias/pesquisadores-da-ufmg-publicam-nota-tecnica-sobre-efeitos-da-covid-19-na-economia-da-cultura) onde cada real gasto retorna aos cofres governamentais R$ 1,6 , mais que, por exemplo, o que ocorre com a indústria automotiva em algumas de suas ramificações e linhas de produção, que, desde Ford, são o símbolo da produção massificada e capitalista.

Aqui seria necessário frisar que o mercado cultural é muito mais dinâmico do que a administração governamental em qualquer esfera. Mas vivemos tempos urgentes. Não é possível ver um setor ser ao mesmo considerado não essencial (do ponto de vista estrutural se comparado a saúde, segurança e etc…) e ser essencial para manter a própria saúde pública mental com as medidas impostas de isolamento social, sem as quais a já catastrófica situação seria pior. Imaginem uma população enclausurada para sobreviver sem a música, os filmes, os quadrinhos, as histórias orais?

Como essa situação, conforme já dito, não vem de hoje, são os mais velhos, por mais qualificados que sejam, quem mais sofrem os efeitos, privados do solo sagrado do palco, seja ele qual for (teatro, dança, literário etc…). A eles, salvo a mobilização dos seus maiores nomes, resta a cova rasa dos números secos lidos e estampados diariamente.

As saídas propostas até agora são imediatistas e nivelam por baixo uma necessidade histórica, que não vão ser sanadas por planos milagrosos, mas pelo reconhecimento de que a cultura é o que é: a identidade e alma de um povo.

Cada Aldir, cada Migliaccio morto, cada Moraes, cada Daniel Azulay a menos nos diminuí coletivamente como país, como cidadãos, como humanos em última instância. A poesia é o que nos permite sonhar, sorrir.

Se no meu sonho, não é no capitalismo, não é numa política neoliberal, não é na concessão de forças para que os mais fortes façam da poesia boas frases de marketing para seus conglomerados, pelo menos não deixemos que o futuro que se vislumbra em uma cena pós-pandemia seja tão terrível a ponto de que tudo o que nos reste seja relegar nossos mestres ao esquecimento, ao abandono e àquela maca numa UBS (unidade básica de saúde).

Não há como, em face de tais circunstâncias, optar aqui por uma escrita menos emocional. Falar de cultura é falar de memória, real, afetiva, coletiva. Vamos socorrer nossos artistas agora, no momento imediato, mas vamos ao mesmo tempo reafirmar que os acordos feitos até agora não representam, não representaram e nunca representarão a ideia de um país descolonizado, pensante.

Pode ser que tudo isso pareça utópico, mas recorro mais uma vez a Aldir Blanc em o Bêbado e a Equilibrista:

“A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar”


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