Brasil segue no banco dos réus

Mais uma vez a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro como responsável por impedir o acesso à justiça e à verdade.

Luciana Genro 5 jul 2018, 18:03

A impunidade do passado se reflete em violência no presente. Não é casual que ainda temos torturas, execuções sumárias e violações de direitos humanos no Brasil promovidas por agentes públicos que, em tese, deveriam zelar pelo “Estado de Direito”. Não é casual também o desconhecimento sobre os crimes da ditadura, o que faz com que parte da sociedade ainda reivindique a volta deste regime assassino.

No Chile, a Justiça sentenciou nesta semana nove militares reformados a até 15 anos e um dia de prisão pelo assassinato do músico Víctor Jara em 16 de setembro de 1973, nos primeiros dias da ditadura de Augusto Pinochet. Foi uma condenação histórica, após vários anos de investigação para descobrir qual foi o papel do Exército na execução do cantor, militante de esquerda extremamente popular.

Já no Brasil, mais uma vez a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro como responsável por impedir o acesso à justiça e à verdade. Desta vez foi pela violação do direito de conhecer a verdade da família do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado em 1975 nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). A Corte determinou a reabertura das investigações sobre o caso.

Em dezembro de 2010, A Corte já havia tomado decisão semelhante no caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil, no qual o Estado brasileiro é acusado pela desaparição forçada de 62 pessoas, ocorrida entre os anos de 1972 e 1974, na região conhecida como Araguaia. Neste caso a Corte deliberou que a Lei de Anistia 6.683/79 é incompatível com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Com base no direito internacional e na sua jurisprudência, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e não poderiam, portanto, continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para a identificação e a punição dos responsáveis.

Sobre este tema eu escrevi o livro Direitos Humanos: o Brasil no banco dos réus (LTr, 2011) e também apresentei um projeto de lei, como deputada federal, dando nova interpretação à lei da anistia, de modo a possibilitar a investigação e punição dos agentes públicos que cometerem torturas, execuções sumárias e outras violações aos direitos humanos.

Apesar da Comissão da Verdade, infelizmente nem o governo Lula e nem Dilma se dispuseram a enfrentar a fundo a impunidade, colocando o Estado brasileiro na ilegalidade no que diz respeito ao direito internacional dos direitos humanos. Em abril de 2010, o STF, com a ajuda do então Advogado Geral da União, por 7 votos a 2, manteve a interpretação que garante a impunidade dos torturadores.

Mas a luta continua, principalmente através da batalha incansável das vítimas e dos familiares dos mortos e desaparecidos, e de Procuradores comprometidos com a luta por justiça.

Artigo originalmente publicado no portal Sul21.


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