8 de março: A luta das mulheres é internacional

Assine o manifesto internacional. Façamos do mês de março de 2019 um marco da unidade internacional da luta feminista, classista e antirracista.

Março, o mês de luta das mulheres no mundo todo, começou no Brasil com o carnaval transformando-se, mais uma vez e de forma ainda mais intensa, em uma grande festa política. Afirmamos, de modo categórico, que a negritude, as mulheres, LGBTQ+, indígenas — o povo na sua múltipla diversidade — não vai aceitar os retrocessos desejados pela família Bolsonaro e seus cegos-seguidores. O grito por justiça para Marielle no belo desfile da Mangueira se espalhou em várias escolas de samba e pelo carnaval de rua. Uma grande demonstração de que os espaços públicos serão ocupados e usados por nós, quer eles queiram ou não, para exigir, lutar e unir nossas mãos em defesa dos nossos direitos, contra a violência, o machismo e o racismo.

As eleições presidenciais de 2018 marcaram a ascensão de um forte movimento de mulheres, movimento que já havia se expressado em menor medida em 2014, através da campanha de Luciana Genro a Presidência da República. Em 2018, sintetizada na hashtag #EleNão, a força das mulheres ganhou as ruas. Uma hashtag que saiu do mundo das redes e virou palavra-de-ordem no mundo real. Bolsonaro ganhou, mas nós, de certa forma também. Ganhamos força e consciência, nos politizamos, ganhamos unidade e garra para seguir negando o retrocesso, o autoritarismo e o patriarcado. Este mês de março é marcado pelo histórico dia 8, dia eternizado pelo martírio das operárias de Chicago, e também pelo recente 14, 1 ano da execução de Marielle Franco, 1 ano sem justiça.

O retrocesso que significou a eleição de Bolsonaro é também uma reação à explosão feminista dos últimos anos. Uma explosão da qual também é parte o movimento LGBTIQ+ e os movimentos antirracistas, especialmente do feminismo negro. Este fenômeno é mundial e tem o seu epicentro nos Estados Unidos, o coração do capitalismo e centro nervoso das suas mais agudas contradições. As deputadas ativistas recentemente eleitas e o fenômeno que Alexandra Ocásio Cortez tornou-se são a expressão mais política e avançada de um fenômeno muito amplo. Exemplo disso é o movimento #MeToo, e os avanços no Oscar (ainda que limitados pela lógica do show business). A América Latina também é parte viva deste processo, como as ocupações das universidades chilenas contra o assédio sexual e a luta das argentinas pelo aborto legal com o fortíssimo movimento Ni una menos.

No Brasil o #EleNão foi o ápice de um processo subterrâneo, de luta muito acirrada das feministas no âmbito da disputa por mudanças culturais profundas, fenômeno que se expressa na relevância que ganharam no debate público mulheres como Rosana Pinheiro Machado, e especialmente do feminismo negro, com o crescimento de figuras como Djamila Ribeiro. Ainda somos poucas, mas somos cada vez mais.

Uma nova geração de mulheres vem se formando feminista. Se antes era raro encontrar uma mulher que se identificasse como feminista, hoje é muito comum. Apoiando-se nas conquistas das que vieram antes, as jovens feministas vêm ganhando o mundo. As mais antigas, como Angela Davis ou Sueli Carneiro se fortalecem e ganham mais relevância. Um novo feminismo também ganha força: mais negro, mais popular, mais amplo e concreto nas suas demandas de classe.

É sob estas bases que aceitamos o desafio proposto por Angela Davis, Nancy Fraser, Sonia Guajarara, Monica Benício entre outras que subscrevem o manifesto “Para além do 8 de março: rumo a uma ‘Internacional Feminista’” [disponível abaixo] no qual afirmam:

“O movimento feminista também está redescobrindo o significado da solidariedade internacional e da iniciativa transnacional. Nos últimos meses o movimento feminista argentino usou o evocativo nome de “Internacional Feminista” para se referir à prática da solidariedade internacional reinventada pela nova onda feminista, e em alguns países, como a Itália, o movimento está discutindo a necessidades de encontros transnacionais para melhor coordenar e compartilhar visões, análises e experiências práticas.”

Acreditamos que a unidade e a solidariedade internacional na luta feminista é uma necessidade objetiva, que não pode parar nas fronteiras nacionais. As conquistas em cada país alimentam e fortalecem a luta nos demais. Ao mesmo tempo, sabemos que a luta feminista não se esgota nas demandas específicas. É uma luta civilizatória que só pode ser completamente vitoriosa a medida que estiver conectada com as demais lutas travadas pela classe trabalhadora e pelas classes médias cada vez mais empobrecidas. É uma luta anticapitalista, anti-imperialista e por democracia real. Chamamos todas a somar nesta batalha transformando o mês de março de 2019 em um marco da unidade internacional da luta feminista, classista e antirracista.


Para além do 8 de março: rumo a uma “Internacional Feminista”

Pelo terceiro ano consecutivo a nova onda feminista transnacional chamou um dia de mobilização global no 8 de março: greves legais do trabalho assalariado – como as 5 milhões de grevistas do 8 de março de 2018 na Espanha e as centenas de milhares no mesmo ano na Argentina e na Itália; greves protagonizadas pelas bases de mulheres sem direitos ou proteção trabalhistas, greves do trabalho de cuidado e não pago; greves de estudantes, mas também boicotes, marchas e trancamentos de vias. Pelo terceiro ano consecutivo mulheres e pessoas queer por todo o mundo estão se mobilizando contra os feminicídios e toda forma de violência de gênero; pela autodeterminação de seus corpos e acesso ao aborto seguro e legal; por igualdade salarial para trabalhos iguais; pela livre sexualidade. Se mobilizam também contra os muros e fronteiras; o encarceramento em massa; o racismo, a islamofobia e o anti-semitismo; a desapropriação das terras de comunidades indígenas; a destruição de ecossistemas e a mudança climática. Pelo terceiro ano consecutivo, o movimento feminista está nos dando esperança e uma visão para um futuro melhor em um mundo em desmoronamento. O novo movimento feminista transnacional é moldado pelo sul, não só no sentido geográfico, mas também no sentido político, e é nutrido por cada região em conflito. Essa é a razão de ele ser anticolonial, antirracista e anticapitalista.

Estamos vivendo um momento de crise geral. Essa crise não é de forma alguma somente econômica; é também política e ecológica. O que está em jogo nessa crise são nossos futuros e nossas vidas. Forças políticas reacionárias estão crescendo e apresentando-se como uma solução a essa crise. Dos EUA à Argentina, do Brasil à India, Itália e Polônia, governos e partidos de extrema direita constroem muros e cercas, atacam os direitos e liberdades LGBTQ+, negam às mulheres a autonomia de seu próprio corpo e promovem a cultura do estupro, tudo em nome de um retorno aos “valores tradicionais” e da promessa de proteger os interesses das famílias de etnicidade majoritária. Suas respostas à crise neoliberal não é resolver a raíz dos problemas, mas atacar os mais oprimidos e explorados entre nós.

A nova onda feminista é a linha de frente na defesa contra o fortalecimento da extrema-direita. Hoje, as mulheres estão liderando a resistência a governos reacionários em inúmeros países.

Em setembro de 2018, o movimento “Ele Não” juntou milhões de mulheres que se levantaram contra a candidatura de Jair Bolsonaro, que agora tornou-se um símbolo mundial dos planos da extrema-direita para a humanidade e o catalisador de forças reacionárias na América Latina. Os protestos ocorreram em mais de trezentas cidades no Brasil e em todo o mundo. Hoje, Bolsonaro está colocando em prática uma guerra contra os pobres, as mulheres, as LGBTQ+ e as pessoas negras. Ele apresentou uma reforma da previdência draconiana e afrouxou as leis de controle das armas. Feminicídios estão disparando num país que já em 2018 tinha um dos maiores números de feminicídios do mundo, sendo 70% dessas mulheres assassinadas negras. 126 feminicídios já ocorreram em 2019. O movimento feminista brasileiro está respondendo esses ataques e se preparando para a mobilização no 8 de março e novamente no 14 de março, no aniversário do assassinato político de Marielle Franco, ao mesmo tempo em que emergem informações sobre os fortes laços entre os filhos de Bolsonaro e um dos milicianos responsáveis por sua morte.

Da mesma forma, o Non Una Meno na Itália é hoje o único movimento organizado respondendo às políticas anti-imigrantes e misóginas do governo de direita da Liga Norte e do Movimento Cinco Estrelas. Na Argentina, mulheres lideraram a resistência contra as políticas neoliberais de direita do governo Macri. E, no Chile, o movimento feminista está lutando contra a criminalização da luta dos povos indígenas e o machismo sistêmico de uma educação muito cara.

O movimento feminista também está redescobrindo o significado da solidariedade internacional e da iniciativa transnacional. Nos últimos meses o movimento feminista argentino usou o evocativo nome de “Internacional Feminista” para se referir à prática da solidariedade internacional reinventada pela nova onda feminista, e em alguns países, como a Itália, o movimento está discutindo a necessidades de encontros transnacionais para melhor coordenar e compartilhar visões, análises e experiências práticas.

Diante da crise global de dimensões históricas, mulheres e pessoas LGBTQ+ estão encarando o desafio e preparando uma resposta global. Depois do próximo 8 de março, chegou a hora de levar nosso movimento um passo adiante e convocar reuniões internacionais e assembleias dos movimentos: para tornar-se o freio de emergência capaz de deter o trem do capitalismo global, que descamba a toda velocidade em direção à barbárie, levando a bordo a humanidade e o planeta em que vivemos.

  • Nuria Alabao (Jornalista e Escritora, Espanha)
  • Cinzia Arruzza (Co-autora do Feminism for the 99%. A Manifesto)
  • Monica Benicio (Ativista de Direitos Humanos e Viúva de Marielle Franco, Brasil)
  • Tithi Bhattacharya (Co-autora do Feminism for the 99%. A Manifesto)
  • Julia Cámara (Coordinadora estatal del 8 de marzo, Espanha)
  • Jupiara Castro (Núcleo de Consciência Negra, Brasil)
  • Lucia Cavallero (Ni Una Menos, Argentina)
  • Veronica Cruz Sanchez (Ativista de Direitos Humanos, México)
  • Angela Y. Davis (Fundadora do Critical Resistance, EUA)
  • Marta Dillon (Ni Una Menos, Argentina)
  • Zillah Eisenstein (Greve Internacional de Mulheres, EUA)
  • Luna Follegati (Filósofa e Ativista, Chile)
  • Nancy Fraser (Co-autora do Feminism for the 99%. A Manifesto)
  • Verónica Gago (Ni Una Menos, Argentina)
  • Sonia Guajajara (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)
  • Kavita Krishnan (All India Progressive Women’s Association)
  • Andrea Medina Rosas (Advogada e Ativista, México)
  • Morgane Merteuil (Ativista Feminista, França)
  • Tatiana Montella (Non Una di Meno, Itália)
  • Justa Montero (Asamblea feminista de Madrid, Espanha)
  • Antonia Pellegrino (Escritora e Ativista, Brasil)
  • Enrica Rigo (Non Una di Meno, Itália)
  • Paola Rudan (Non Una di Meno, Itália)
  • Amelinha Teles (União de Mulheres de São Paulo, Brasil)

Tradutoras do manifesto em português: Ana Cristina C. Carvalho e Clara Baeder


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