O que as mobilizações francesas têm a nos dizer?

Assim como em Junho de 2013 no Brasil, as manifestações dos gilets jaunes carregam consigo contradições típicas das revoltas anti-regime.

Fabiana Amorim e Felipe Simoni 15 dez 2018, 19:05

Há cinco décadas da revolta popular que chacoalhou a França e o mundo, pela quarta semana seguida os franceses vêm tomando as ruas, em especial a famosa Champs-Élysées de Paris, no movimento que ficou conhecido como “coletes amarelos”, os gilets jaunes. O movimento que teve início de forma espontânea contra o aumento dos impostos sobre o diesel no interior do país, agora se revela como um movimento contra a casta política e o “governo dos ricos”.

Assim como em Junho de 2013 no Brasil, as manifestações dos gilets jaunes carregam consigo contradições típicas das revoltas anti-regime que se espalharam em vários países do mundo após a crise capitalista de 2008. Protagonizadas pelos setores mais precarizados da classe trabalhadora junto de uma classe média baixa francesa, o movimento já não se resume mais ao preço do combustível (pauta já vitoriosa, depois do recuo do governo Macron quanto ao aumento do imposto).

Na tentativa de capitanear o sentimento anti-casta, expresso pelos gilets jaunes, a extrema-direita vem disputando os rumos do movimento. Declarações de apoio vindas de Marine Le Pen, deputada francesa da Frente Nacional, e de Donald Trump expressam a vontade deste setor em se colocar como uma alternativa ao regime político do país, tentando transformar a revolta em uma vitória eleitoral do seu projeto xenofóbico, racista e anti-povo.

Ao mesmo tempo, a indignação que toma as ruas francesas reúne um conjunto de palavras-de-ordem que estão na contra-mão das bandeiras desta direita, e mostra que a disputa ideológica do movimento está em aberto.

É fácil encontrar nas placas e faixas carregadas pelos franceses, mensagens como Macron, destitution. Systeme, abolition. (Macron, destituição. Sistema, abolição.) ou Contre le gouvernement des riches (Contra o governo dos ricos), numa clara menção à elite econômica da qual esse setor da direita também faz parte. A integração dos coletes amarelos à Marcha do Clima na tarde deste sábado (8), mostra que o movimento extrapolou as pautas estritamente econômicas e trabalhistas e também está conectado à luta contra a crise ambiental desenvolvida pelo capitalismo. Essa integração também demonstra que há espaço para a esquerda radical disputar o rumo da mobilização, uma vez que Trump, Le Pen e grande parte da extrema-direita mundial, em um movimento conspiracionista do chamado “antiglobalismo”‘, declaram-se abertamente contrários ao Acordo de Paris e céticos à teoria do aquecimento global.

Um novo elemento para a luta na França é a mobilização dos estudantes secundaristas contra a nova reforma educacional do governo Macron, que muda a forma de ingresso nas universidades para uma seleção com base nas notas acadêmicas em 12 áreas de ensino, fazendo com que as universidades escolham os alunos que irão ingressar, aumentando a discrepância entre estudantes oriundos de escolas prestigiadas e outros de instituições educacionais de menos destaque. Além disso, a reforma aumenta também a taxa de inscrição para a seleção dos estudantes ao ensino superior. Essa mobilização significou mais de duzentas e oitenta escolas ocupadas em todo o território francês. Na última sexta-feira (7), quando milhares de estudantes foram às ruas de todo o país, unificando sua luta com a dos “coletes amarelos”, mais de 700 jovens foram presos, sendo 153 no Liceu Saint-Exupéry, uma escola em Mantes-la-Jolie, onde os estudantes ficaram ajoelhados, algemados, vigiados e presos pela polícia dentro de sua própria escola.

O vídeo dos estudantes sendo presos repercutiu em todo o país, gerando mais uma onda de solidariedade de diversas categorias de trabalhadores, que neste sábado paralisaram pedindo a saída de Macron. Os trabalhadores ferroviários, categoria tradicionalmente de esquerda e radicalizada, em uma marcha durante a paralisação no terminal de Saint Lazare, se ajoelharam com as mãos na cabeça, em protesto às prisões dos estudantes secundaristas e à repressão policial. Nas ruas de Paris, milhares de pessoas acompanharam o gesto em defesa dos secundaristas da Saint-Exupéry.

As ocupações das escolas em toda a França radicalizam ainda mais os métodos de luta, e a incorporação da luta estudantil ao movimento geral dos coletes amarelos contra o governo de Macron mostra que a luta em defesa da educação está no centro da disputa de um projeto democrático e radicalmente de esquerda com o projeto nefasto da extrema-direita, que não consegue dar respostas ao setor da educação que se mobiliza fortemente. Foi assim nos Estados Unidos, e também está sendo na Colômbia. Os estudantes secundaristas franceses não confiam em Le Pen, e conquistam os gilets jaunes contra o autoritarismo do governo, mas também contra uma oposição que quer perpetuar os interesses da elite econômica e aprofundar os ataques ao povo.

É hora da esquerda radical estender a mão para o trabalhadores franceses e derrotar de vez o populismo de direita que vem tomando espaço no mundo inteiro. Que não tenha medo de disputar o sentimento antissistema da população, radicalizando no método e também no discurso, para que a indignação dos que não aguentam mais o custo de vida e os cortes de direitos, mire contra o sistema do 1% mais rico do planeta.

Para o juventude no mundo inteiro uma tarefa redobrada: combater os ajustes econômicos e os ataques à educação, combater o crescimento da extrema direita oportunista e construir uma alternativa anticapitalista. Seguiremos juntos com os estudantes e trabalhadores franceses, disputando mundialmente, que essa crise capitalista que não criamos, seja paga pelos banqueiros e ricaços.

Artigo originalmente publicado no Medium do Juntos!.

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