SVB e Credit Suisse – fenômenos isolados ou sintomas de uma mudança de ciclo?
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SVB e Credit Suisse – fenômenos isolados ou sintomas de uma mudança de ciclo?

Uma análise sobre a recente crise financeira e as possibilidades de seu aprofundamento na Europa.

Daniel Albarracín 20 mar 2023, 17:24

Via Viento Sur

A crise no SVB, Signature Bank e Banco Credit Swisse – uma crise de gestão ou de liquidez?

Crises, como a do ladrão, vêm quando menos se espera. Esta semana houve uma série de crises bancárias nos EUA e na Suíça e uma queda acentuada nos mercados de ações que aparentemente causaram alguma confusão. Como podemos interpretar o que aconteceu?

Poderíamos pensar que são crises particulares de instituições específicas e apelar para seu modo de funcionamento ou sua gestão.

O Sillicon Valley Bank, um banco de médio porte, o 16º maior dos EUA, foi alimentado por depósitos de start-ups, empresas de tecnologia, que foram financiadas por capital de risco. Eles deixaram seu capital para suas operações atuais com o SVB. O SVB utilizou esses fundos para comprar títulos nos mercados. Tudo funcionava bem quando havia recuperação e regras financeiras frouxas, e os negócios do SVB fluíam sem sobressaltos.

De repente, diz-se que houve uma crise de liquidez. Mas isso não explica o que aconteceu. Logo, um aumento das taxas de juros e uma projeção comercial mais baixa colocaram as empresas em dificuldade. Ao mesmo tempo, o SVB precisava fortalecer seu capital, porque seus clientes estavam começando a exigir uma parte da poupança em suas contas. Para fortalecer seu capital, o SVB vendeu os títulos (US$ 21 bilhões), a fim de poder responder e ter liquidez, e aumentou seu capital em US$ 2 bilhões. Mas a venda dos títulos causou uma perda de US$ 1,8 bilhões, e o aumento de capital fez com que o valor das ações no mercado acionário se deteriorasse em 75%. Isto causou uma perda de confiança dos clientes. A fuga de depósitos, US$42 bilhões em um dia, afundou a viabilidade do banco. Estas são as consequências de operar com níveis tão baixos de capitalização. Esse capital foi para grandes bancos, comprando dívida do governo, ouro e bitcoins. Em resumo, não estamos enfrentando uma crise de liquidez, mas uma crise de solvência e credibilidade.

Esta crise é um problema de alguns bancos singulares?

Não, este comportamento é muito mais difundido do que parece, e não está preparado para a brusca reviravolta da política monetária a partir de julho de 2022, e menos ainda para o final do ciclo, que todos os analistas já estavam antecipando, embora na Espanha ele esteja sendo sistematicamente ignorado. O impacto na Espanha pode não ser tão duro quanto uma recessão em outros países, mas qualquer economista atento aqui sabe que estamos entrando, pelo menos, na estagnação.

A crise do SVB foi seguida pelo colapso de outros bancos, como o Signature Bank, um pequeno banco (29º nos EUA) ligado ao mercado de moedas criptográficas. Este não é um caso isolado.

Dizem que os bandos de aves se movimentam surpreendentemente em sincronia com movimentos harmoniosos. Pura aparência de um fenômeno emergente que esconde como eles são afetados ao mesmo tempo pelas mesmas correntes de ar, que são respondidas de uma só vez. O contágio não é a palavra apropriada para esta crise, mas as mesmas correntes de pressão afetam estruturalmente os mais fracos de maneira semelhante. Talvez primeiro as instituições menores ou regionais, mas exercendo igual força sobre as outras.

O relaxamento das regras bancárias, a política monetária restritiva e a crise de superprodução, que acumularam um excesso de capital fictício, ou seja, sem apoio em atividades lucrativas, e a presença de muitas empresas zumbi, representam a base para uma crise financeira, de rentabilidade e de investimento, periódica mas singular por causa das contradições acrescentadas umas às outras.

Crise, de que extensão?

É difícil de determinar, mas só agora começou. A seguir, o caso de um banco “muito grande para ignorar” como o Credit Swisse também aponta para uma crise financeira resultante da estagnação e do aumento das taxas de juros.

Algumas autoridades oficiais dizem que os bancos da Zona do Euro são mais controlados e melhor capitalizados. Não para dizer que não são, mas para não ser exagerado, certamente. O processo de resgate dos bancos e a enorme concentração bancária induzida pelas políticas públicas europeias, do BCE e dos estados membros significa que o sistema bancário oligopolista europeu recuperou alguma solvência desde a crise de 2008. Sabemos, às custas das políticas sociais e do mundo do trabalho. Mas esta recuperação está longe de exorcizar o persistente risco financeiro de um sistema apoiado por grandes proporções de capital fictício não apoiado por uma atividade econômica sólida.

As consequências desta crise bancária?

Pode-se pensar que a intensidade das subidas de tarifas seria facilitada, mas Christina Lagarde seguiu o rígido roteiro previsto anteriormente, seguindo os passos de Jerome Powell com o Fed (4%). Temos 3,5% de taxas de juros no BCE, e parece que ela compensa com apoio financeiro aos bancos. Não ao investimento público ou ao emprego, mas aos bancos! Possivelmente, os gurus do neoliberalismo pragmático chegarão a um ponto em que não continuarão a aumentar as taxas, mas a partir de hoje, continuam em seu fanatismo contra a inflação, matando o cão para curá-lo da raiva.

Na Suíça, o Banco Nacional Suíço vai socorrer o Credit Swisse. Na UE, Lagarde promete mais apoio financeiro do BCE, que continuará a alimentar o sistema financeiro privado, ao mesmo tempo em que precipita uma recessão. Mais uma vez, socialização das perdas, lucros privados.

Nos Estados Unidos, Biden diz que os contribuintes não pagarão o preço. E que os depositantes serão protegidos, tanto quanto necessário, do SVB e do Signature. Não sabemos se eles farão o mesmo se o First Republic Bank, Wester Allianz ou Pact West Bancorp quebrarem também, que são bancos pequenos ou regionais com grandes perdas na bolsa de valores.

Biden afirma que derrubará os acionistas da SVB ou Signature, que é assim que o capitalismo funciona. Que a Federal Deposit Insurance Corporation, a Federal Reserve e o Tesouro cobrirão depósitos superiores a $250.000. Isso significa cobrir mais de 95% do montante de depósitos. Que o capital de risco opera sem risco! Ele alega que não será pago pelo contribuinte, o que levanta mais do que algumas dúvidas. Este fundo tem a capacidade e recursos unicamente privados para cobrir todo este capital? Pensamos que não.

Como o Banco Nacional Suíço no caso do Credit Swisse Bank com um novo resgate de 50 bilhões, ou o BCE recupera a política de injeção de liquidez, ou ele persiste em uma política em que os bancos não precisam emprestar, mas simplesmente levar seus depósitos ao BCE para receber as altas taxas aplicadas, as perdas estão sendo socializadas. Os poderes públicos são ” primo de Zumosol* dos bancos.

Estamos em um momento de mudança no ciclo industrial, que está arrastando problemas acumulados não resolvidos do passado, tornando o sistema frágil diante de crises financeiras. Isto leva a um processo de maior concentração de capital e provável recessão.

Também pode destruir capital, algo que, paradoxalmente, juntamente com a queda dos salários reais e a possível destruição de empregos, poderia contribuir para uma recuperação parcial da taxa de lucro. Embora duvidemos que, com esta política financeira, a taxa de lucro que importa, a efetiva, que subtrai os custos financeiros da taxa de retorno, será capaz de evitar uma nova recessão.

Em suma, não se trata de uma crise de gestão isolada ou de liquidez, mas sim de um sintoma de uma crise mais profunda. Uma crise de rentabilidade e investimento que, num ambiente inundado de capital fictício e endividamento, está mostrando os primeiros sinais de uma nova crise financeira, possivelmente com um alcance desigual. O período de fraca recuperação, inaugurado em 2014 e brevemente interrompido pela pandemia, está chegando ao fim.

Em jogo está o que acontecerá com o mundo do trabalho e que tipo de política econômica se aplica, e a favos de quais interesses: os da vida, da ecologia e da classe trabalhadora, ou, mais uma vez, os do capital.

* Referência a uma propaganda da marca de sucos espanhola Zumosol, na qual o primo musculoso salva um jovem em uma briga.


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