A liberdade que o dinheiro pode comprar
Daniel Alves pagará R$ 5,4 milhões para sair da cadeia. Quanto vale a dignidade da vítima?
Foto: Lucas Figueiredo/CBF
“Sinto que voltaram a me estuprar. Estou cansada de ser forte, não quero mais ser forte”.
A declaração desesperada foi dada pela mulher que foi vítima de estupro pelo jogador de futebol Daniel Alves em 2022. E ainda que não tenhamos passado pela experiência de horror que ela passou, podemos compartilhar com ela o desalento com a decisão da Justiça espanhola de conceder ao criminoso condenado o direito de recorrer da sentença em liberdade sob pagamento de uma fiança de 1 milhão de euros (R$ 5,4 milhões).
Esse fato reforça em nosso íntimo a impressão de que o dinheiro compra tudo. Até a Justiça, que se queria cega, mas que em vez dos nove anos de prisão pedidos pelo Ministério Público Espanhol e dos 12 que a defesa da vítima solicitava, condenou Daniel Alves a apenas quatro anos e seis meses de prisão. Inconformado com o cárcere, o milionário recorre a amigos como Neymar para comprar a chave da cadeia, onde havia passado 14 meses em prisão preventiva.
E não é a primeira vez que ele põe a mão no bolso nesse caso. Daniel pagou uma multa de 150 mil euros (cerca de R$ 801 mil) à vítima antes do julgamento. O valor, que não foi solicitado pela mulher, serviu para que sua pena fosse atenuada em caso de condenação.
Juntando-se os fatos e as decisões da Justiça, compreende-se que Daniel saiu vencedor desse jogo contra a dignidade que uma mulher queria ver recuperada. Resultado presumível, apesar de aberrante, de uma sociedade patriarcal que protege os homens e seu capital usando as ferramentas disponíveis, seja o Estado, a polícia ou o próprio sistema jurídico.
O valor da fiança que Daniel pagará é menor que dois meses do salário do jogador em sua melhor fase. E isso foi reconhecido pelo único dos três juízes da Audiência de Barcelona que votou contra a liberdade provisória ao jogador. Segundo o jornal espanhol “Marca”, seu patrimônio é de 55 milhões de euros (R$ 298 milhões).
Em seu voto, o juiz Luis Balestá Segura ainda previu risco de fuga aumentado do jogador para o Brasil – como fez seu “parça”, Robinho, que fugiu para o Brasil após participar de um estupro coletivo em Milão, na Itália, 11 anos atrás. Em uma auspiciosa decisão, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tardou mas não falhou ao decidir, ontem, que o ex-jogador do Santos cumpra a pena de nove anos de prisão no Brasil.
Mas advogados de Robinho já pediram habeas corpus e podem também recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que pode adiar ainda mais a sua prisão. Daniel e Robinho contam com as melhores defesas que o dinheiro pode comprar.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), como de costume, se cala sobre seus ex-craques envolvidos em crime de estupro – assim como nos recorrentes casos de violência doméstica. Contudo, Leila Pereira, presidente do Palmeiras e atualmente na chefia da delegação da seleção brasileira, resumiu nossa indignação ao UOL: “um tapa na cara de todas as mulheres”.
“Ninguém fala nada, mas eu, como mulher aqui na chefia da delegação, tenho que me posicionar sobre os casos do Robinho e Daniel Alves. Isso é um tapa na cara de todas nós mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade. Acho importante eu me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”.
Caberá sempre a nós, mulheres, defendermos umas as outras. E ir as ruas, e lutarmos por leis mais rigorosas, e reivindicar nossos direiros, e educar as futuras gerações. Vamos juntas.