Apresentação da Revista Movimento n. 5

Os fundamentos econômicos da crise em curso no Brasil, o papel dos socialistas na luta contra a corrupção, as dificuldades de Trump, as lutas no Peru e a situação venezuelana são abordadas nesta edição.

Thiago Aguiar 8 jul 2017, 19:42

Eis o quinto número de nossa revista Movimento. Ao longo das últimas edições, pudemos ir consolidando um espaço de elaboração e debate teórico-político socialista. A princípio, delimitamos dois objetivos principais deste projeto: fornecer subsídios para a discussão e a formação da militância do Movimento Esquerda Socialista, organização política que anima a revista, e ampliar o diálogo com outras correntes, ativistas e intelectuais parceiros com quem possamos desenvolver nossas reflexões. Consideramos que, até aqui, a publicação começou a dar conta destes desafios.

Há, no entanto, muito a avançar e o lançamento desta edição inicia uma nova etapa de nosso trabalho. Em conjunto com a Movimento n. 5, lançaremos o portal movimentorevista.com.br, com o qual não apenas teremos a oportunidade de ampliar a divulgação dos materiais já publicados na revista impressa, como também pretendemos abrir uma nova trincheira para divulgar ideias, posições e debates. O portal possibilitará a circulação de artigos e opiniões sobre temas candentes, reservando à revista impressa a elaboração mais de fôlego e a reflexão teórica para a ação. Além disso, ampliaremos nosso intercâmbio com publicações estrangeiras, selecionando e traduzindo materiais inéditos e de interesse para nossos leitores. Com publicações mais dinâmicas no portal e a ampliação do acesso à revista impressa, aumentando e profissionalizando sua tiragem e distribuição, pretendemos também chegar a mais lugares e organizar atividades, círculos de leitura e debates presenciais em todo o país.

Nesse período, a batalha de ideias e a ampliação da elaboração programática são essenciais. No Brasil, as crises econômica e política alcançam fase aguda, com um governo nas cordas, cujas relações corruptas com grandes conglomerados econômicos revelam plenamente a captura do Estado e de suas rendas pela classe dominante e seus agentes. Ao mesmo tempo, um regime político apodrecido debate-se em busca de salvação, oferendo em troca direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores no altar do ajuste estrutural imposto pela burguesia. Torna-se fundamental compreender como chegamos a este ponto, qual a localização da economia brasileira diante da crise do capitalismo mundial e por que caminhos os socialistas podem oferecer uma saída à inserção subalterna e dependente do país e à crise, que tem sido uma oportunidade para a burguesia impor desemprego, arrocho salarial e desmonte dos serviços públicos.

Anos após a fantasia do “Brasil global” dos megaeventos e das transnacionais brasileiras “campeãs”, vitrines do alegado “neodesenvolvimentismo” dos governos petistas, cabe ao movimento dos trabalhadores e aos socialistas encontrar um caminho diante dos escombros. Publicamos três materiais que auxiliam a compreender onde estamos. Bernardo Corrêa assina artigo sobre a expansão de empresas brasileiras na América Latina, financiadas pelo Estado e em estreita proximidade com os governos da região. A crise econômica, a Lava Jato e as investigações em países vizinhos revelaram as entranhas deste processo, justamente no momento em que as outrora “campeãs” enfrentam profundas dificuldades pela retração do preço das commodities e pela crise. Luciana Genro, por sua vez, debruça-se sobre o mesmo processo a partir de uma reflexão teórica a respeito das relações entre o Estado e o capital. Seu objetivo final é analisar o conteúdo concreto da corrupção envolvendo grandes corporações brasileiras e formular, então, iniciativas para a esquerda socialista diante dos desafios apresentados no período.

Numa longa entrevista realizada por Pedro Micussi e por mim, o economista marxista Plínio de Arruda Sampaio Jr. oferece um instigante diagnóstico no qual a industrialização perde espaço no país diante das transformações do capitalismo global. Plínio também trata da crise política e a enquadra num movimento profundo de reorganização da economia, da sociedade e da política do país, conduzido por uma burguesia dividida internamente, cheia de fissuras, organizada em dois “partidos”, um dos quais pretende “estancar a sangria” do derretimento da Nova República e o outro, o partido do “fora todos”, pretende destruir este regime sem ainda ter unidade suficiente para saber o que colocar no lugar. É possível debater a análise de Plínio sobre como opera cada um desses “partidos” e de que forma, em particular, as novas revelações da Lava Jato – em conjunto com os efeitos da greve geral de abril – atrasaram e levaram ao pântano os ataques neoliberais contra os direitos sociais e trabalhistas. Na entrevista, aliás, questionamos se a esquerda socialista não pode acabar perdendo a oportunidade de utilizar a seu favor as divisões e rachaduras interburguesas que a crise e as investigações trouxeram. Consideramos que esta questão segue sendo fundamental. Independentemente de debates como este, que precisamos seguir, Plínio tem uma definição de que compartilhamos completamente e que nos parece decisiva: os socialistas precisam retomar o debate estratégico e programático, formulando uma política própria, para não terminarem atados aos planos eleitorais de Lula e do PT e a um regime político apodrecido cujos agentes lutam para salvar-se. Os socialistas, avalia Plínio, devem recolocar na ordem do dia o debate sobre a revolução brasileira, o socialismo, as insuficiências de nossa formação nacional e a esperança na luta dos trabalhadores e da juventude para construirmos dias melhores.

Na seção internacional, Ella Mahony, editora da revista Jacobin dos Estados Unidos, escreve artigo exclusivo para nossa revista sobre a crise do governo Trump, envolvido em investigações sobre suas relações com Putin, pressionado pela insatisfação crescente do povo com as mudanças na política de saúde e por mobilizações que polarizam o gigante norte-americano. Luciana Genro e Mariana Riscali informam, em reportagem, os debates ocorridos na recente People’s Summit, cúpula da esquerda estadunidense, com forte presença dos movimentos que se organizaram ao redor da campanha de Bernie Sanders em 2016.

Além disso, dedicamos atenção à situação da Venezuela, republicando materiais de que a militância brasileira precisa apropriar-se para compreender os últimos acontecimentos daquele país, distanciando-se do simplista e acrítico alinhamento ao governo Maduro conduzido por setores da esquerda latino-americana. Para tanto, publicamos um documento de Marea Socialista, organização socialista originária do movimento bolivariano e crítica dos rumos do governo Maduro. Para Marea, diante da profunda crise econômica do país, o governo aprofunda sua política rentista e corrupta, acelera a entrega de recursos minerais e do petróleo às transnacionais estrangeiras, endurece o regime – com uma proposta de assembleia constituinte que ataca as conquistas inscritas na Constituição bolivariana de 1999 – e intensifica a repressão às manifestações. A direita opositora e a MUD, por sua vez, são parte do problema, articulando ações de sabotagem e estimulando o recrudescimento da violência nas ruas e o revanchismo, condenando o país a uma polarização sangrenta na qual as reivindicações dos trabalhadores e as necessidades urgentes do povo ficam em segundo plano. Tais reflexões são também desenvolvidas por Carlos Carcione, dirigente de Marea Socialista, numa entrevista para o tradicional portal da esquerda venezuelana Aporrea.org, reproduzido na revista.

A seção internacional encerra-se com entrevista de Tito Prado a Bernardo Corrêa. Prado – dirigente do Movimiento Nuevo Perú (nova formação da esquerda peruana liderada por Verónika Mendoza, candidata socialista que obteve 18% dos votos na última eleição presidencial daquele país) – rememora episódios de sua militância na corrente internacional fundada por Nahuel Moreno, sua relação com Hugo Blanco, a luta contra o fujimorismo nos anos 90 e as lutas em curso no país.

Na sequência, a edição n. 5 de Movimento publica contribuição ao debate assinada por Bruno Magalhães e Felipe Moreira, numa polêmica com documento recente de dirigentes da corrente Insurgência. Para Bruno e Felipe, a incompreensão do caráter das forças em disputa na crise em curso leva a equívocos na caracterização da ação da burguesia e de suas frações, trazendo por consequência uma armação defensiva e vacilante à esquerda socialista, que facilmente a transforma num apêndice da política do PT. Maycon Bezerra, por sua vez, publica artigo sobre a experiência soviética na educação e suas lições para os movimentos docente e estudantil, que há anos são vanguarda da luta contra os governos que atacam este direito fundamental. Por fim, Gilvandro Antunes escreve sobre as relações entre crise capitalista e psicologia, num artigo que retoma diversos conceitos desta área do conhecimento.

Num período de debates sobre a necessidade de enfrentar os ataques do governo por meio de greves gerais, é útil retomar as valiosas lições de Vladimir Lênin em Sobre as greves, documento de 1899 em que o marxista russo debruça-se sobre a importância das greves e delimita, ao mesmo tempo, a importância do partido revolucionário para ir além da ação espontânea do movimento de trabalhadores, potencializando-a e a canalizando para a disputa do poder.

Encerrando este número de nossa revista, na seção de documentos, publicamos análise do Secretariado Nacional do MES, do início de maio, sobre a conjuntura posterior à greve geral de 28 de abril, bem como material elaborado por diversas correntes do PSOL com um balanço da marcha a Brasília em 24 de maio e a compreensão comum destas organizações sobre as tarefas da esquerda socialista no período.

Esperamos que esta edição renda bons debates e que o novo portal movimentorevista.com.br seja útil para as lutas do próximo período.

Boa leitura!


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Pedro Micussi