Retrospectiva Internacional 2022: Da agressão contra a Ucrânia às derrotas da extrema-direita na América Latina
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Retrospectiva Internacional 2022: Da agressão contra a Ucrânia às derrotas da extrema-direita na América Latina

Uma retrospectiva dos fatos e processos políticos internacionais no ano de 2022.

Comissão Internacional do MES 31 dez 2022, 09:23

O ano de 2022 foi marcado pela guerra. A agressão imperialista russa contra a Ucrânia pegou de surpresa um mundo que não esperava tal movimentação de Putin, mas também não acreditava na tenacidade da resistência ucraniana que até hoje enfrenta as tropas imperialistas russas. Do outro lado do mundo, a extrema-direita que cresceu com apelo de massas sofreu grandes derrotas eleitorais na América Latina, como na Colômbia e no Brasil, mas não perdeu a iniciativa em países como Chile e Peru. Em todos estes cenários, as insuficiências dos governos de conciliação de classes apresenta contradições em pleno movimento ao mesmo tempo que a classe trabalhadora e os povos oprimidos buscam se reorganizar para resistir.

Um todo o planeta, um cenário de polarização política se aprofunda como tendência entre as múltiplas definições nacionais, combinando oportunidades abertas por novos movimentos de massa com derrotas e retrocessos impostos por interesses burgueses que buscam saídas cada vez violentas e excludentes para uma dinâmica de crise mundial que avança marcada pela emergência ambiental e por uma nova situação sanitária com característica permanentes após o auge da pandemia da Covid 19.

A atuação do Movimento Esquerda Socialista e de sua militância internacionalista buscou expressar esse complexo cenário, conforme indicamos neste texto de retrospectiva de 2022.

Com a resistência ucraniana e a esquerda radical do Leste Europeu

A invasão russa abriu um novo momento na dinâmica interimperialista e abriu uma grande polêmica na esquerda mundial. A autodeterminação do povo ucraniano foi combatida e relativizada por importantes organizações reformistas da Europa Ocidental e da América Latina, principalmente aquelas ligadas à Internacional Progressista, mas também por revolucionários honestos preocupados com o papel da OTAN. Por outro lado, a IV Internacional e outros importantes setores, afirmaram sua solidariedade com o povo ucraniano e sua luta de libertação nacional.

Neste processo, nos aproximamos da esquerda do Leste Europeu que viu nas posições trotskistas um apoio coerente à ameaça do imperialismo russo. Nossa participação no Congresso do partido polonês Razem (Juntos) foi um importante passo para o estabelecimento de relações com camaradas de outros países da região e culminou com o convite ao companheiro Zakhar Popovych, do Movimento Social (Sotsialniy Rukh) ucraniano, ao Brasil para apresentar as ideias da esquerda revolucionária ucraniana que hoje resiste à invasão. 

Também lançamos uma edição especial impressa da Revista Movimento sobre o conflito para difundir estas posições no país e integramos a iniciativa feminista internacional pelo direito à resistência daquele povo. Além disso, foi permanente a solidariedade com os pacifistas russos tão perseguidos pela ditadura de Putin, presos e exilados, mas que indicam o único caminho para um final do justo da guerra: a derrota do regime autoritário russo pelas mãos de seu próprio povo.

A guerra continua conforme chega o inverno europeu e as pressões para uma solução que submeta o povo ucraniano de alguma forma aumentam, seja aos desejos nacionalistas grão-russos ou aos mecanismo da dívida externa dos credores ocidentais. Mas a resistência ucraniana continua e sua rede de solidariedade internacional se solidifica.

Nova situação na América Latina

Na América Latina, marcamos que existiram duas grandes ondas de ascenso, sendo a última -ainda em curso- iniciada em 2018 com as mobilizações na Nicarágua, Porto Rico e Haiti e desenvolvendo-se no ano posterior com as lutas andinas no Equador, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. No ano de 2022, o fio de continuidade destas lutas populares se combinou aos resultados eleitorais e aprofundou a polarização social que marca a dinâmica da situação latino-americana. 

No Peru, país da América Latina que encerra o ano de 2022 ainda com mobilização social, a polarização abriu uma luta aberta, que resultou na insurgência dos movimentos sociais e organizações contra o golpe, por novas eleições e uma assembleia constituinte. Dina Bolutarte, sustentada pela burguesia peruana e os setores mais atrasos do parlamento, responde a insurgência popular com uma escalada de violência e de repressão

Nessa direção, consideramos que as eleições colombianas, com a vitória de Petro-Francia sobre o uribismo, constituem um triunfo democrático importante na medida em que impõem uma derrota inédita à direita reacionária e próimperialista no país, que serviu por anos como pilar de sustenção do neoliberalismo e das políticas intervencionistas do imperialismo estadunidense. Fomos parte da delegação internacional do PSOL que acompanhou as eleições na Colômbia, presenciando a vitória do povo colombiano contra a extrema-direita meses antes das eleições brasileiras e da derrota de Bolsonaro. 

No Chile, depois da insurreição popular de 2019 e a vitória por uma nova constituinte, testemunhamos neste ano a derrota do novo texto constitucional que pôs à prova as contradições do governo Gabriel Boric – ainda incapaz de levar adiante as aspirações surgidas no estalido social. Às vésperas do plebiscito constitucional entrevistamos Karina Nohales, que discorreu sobre a situação chilena e os impasses presentes naquela disputa. 

O México, que a certo modo abriu a segunda onda de ascensos com a vitória histórica de Andrés Manuel Lopez Obrador (AMLO) em 2018, em um momento em que a extrema direita demonstrava força social e eleitoral por todo continente, completa quatro anos da chamada 4T (quarta transformação) – consigna do governo obradorista. Embora AMLO tenha mantido parte expressiva de sua força social, o governo da “quarta transformação” ainda mantém pendentes as transformações mais profundas com as quais se comprometeu, como por exemplo a renacionalização do sistema elétrico e a desmilitarização – que é parte da necessidade de liquidar de uma vez por todas o narcoregime em decomposição mexicano. Nesse campo, é importante celebrar a vitória democrática do relatório Ayotzinapa produzido pelo governo, cuja conclusão é de que o assassinato dos 43 estudantes é um “crime de Estado”. As organizações e movimentos sociais do México, entre as quais citamos a Organización Proletaria Emiliano Zapata (OPES-FOSICH), com a qual estivemos por ocasião do seu aniversário de 30 anos, exigem que o relatório vá além investigando e punindo os responsáveis pelo crime de Estado, como o ex-presidente Enrique Peña Nieto. 

A Argentina passa por uma profunda que crise econômica que mantém o governo peronista de Alberto Fernandez contra as cordas. Vale destacar também o peso da esquerda radical argentina, com a ampliação do espaço da FITU que pode coordenar a luta contra os acordos com o FMI e o ajuste fiscal. Isso se demonstrou, por exemplo, no protagonismo dos movimentos sociais, dos partidos e do movimento piqueteiro na marcha federal

Na contramão dos avanços democráticos no continente, o governo Ortega-Murillo aprofunda seu rumo autoritário e anti-popular. As prisões políticas se acumulam naquele país com graves violações de direitos humanos, incluindo a prisão da ex-comandante sandinista Dora Maria Téllez. Fomos parte ativa de uma campanha internacional em solidariedade aos presos políticos da Nicarágua, participando junto a organizações e partidos de uma caravana em San José na Costa Rica. 

No Brasil, ainda que sob uma situação defensiva, queremos marcar que a vitória de Lula foi um triunfo democrático absolutamente fundamental que coloca em melhores condições a luta social e política em todo continente. O PSOL deve seguir sua luta por pontos programáticos fundamentais às melhorias da classe trabalhadora mantendo sua posição de independência perante o governo eleito.

A Europa Ocidental na encruzilhada

O ano de 2022 na Europa Ocidental foi o ano entre o fim da pandemia e o estouro de guerra na Ucrânia, gerando ao mesmo tempo incerteza, receio e esperança. Tivemos que testemunhar os avanços da extrema-direita, e até a volta ao poder na Itália, exatos 100 anos após a marcha sobre Roma. Carlos Turigliatto, senador e líder da Sinistra Anticapitalista, caracteriza este governo da Giorgia Meloni como um projeto reacionário e liberal de restauração conservadora. 

Mas vimos também, à esquerda, a tendência de identificativo com o neoliberalismo dominante no início do século 21, perder força em favor do bom e velho anticapitalismo. Talvez o caso mais avançado tenha sido a France Insoumise (e a aliança eleitoral NUPES que ela articulou ao seu entorno para o segundo turno das legislativas) uma força, reformista com certeza, mas programaticamente a esquerda e capaz de disputar com a extrema direita o papel de ser a principal força de oposição ao macronismo na França. Nupes, que unidade e essa da esquerda francesa? O português Carlos Carujo responde.

Contra a inflação dos preços da energia e dos alimentos o movimento grevista ensaio uma recuperação ainda limitada no tempo e no espaço, concentrada qui viram suas condições de trabalho pioradas durante a pandemia, ou suas capacidades de negociação (saúde, ensino, energia, transporte, indústria de defesa). Foi o caso na Alemanha, na França como na Espanha e na Grã-Bretanha onde o governo conservador de Rishi Sunak saiu enfraquecida das sucessivas demissões de Boris Johnson e Liz Truss e acabou sendo confrontado a uma polarização social total 

Na África, em 2022 as tragédias sociais nas fronteiras da Europa se repetiram após a tragédia de Melila, e o CADTM lançou uma chamada: acabar com as políticas migratórias desumanas do Norte. Ninguém é ilegal!  E exigindo o fim da criminalização da migração, o respeito dos direitos humanos fundamentais e o cancelamento das dívidas para garantir a soberania econômica, política e alimentar dos povos do Sul Global.

A invasão russa da Ucrânia teve graves consequências na economia africana, configurando um verdadeiro desastre econômico e humano. Paul Martial analisa esses impactos.

Enfim, 2022 foi também o 60° aniversário dos acordos de Evian e da vitória da revolução argelina. Numa longa entrevista, Kamel Aïssat volta sobre esses eventos e em que medida eles influenciam ainda a Argélia de hoje.

A nova situação norte-americana

Nos Estados Unidos, o ano também foi marcado por erupções sociais, à esquerda e a direita. Assim como no Brasil, a dinâmica eleitoral das chamadas eleições de meio de mandato deram a tônica de 2022. Se por um lado o Partido Republicano tentou, via Suprema Corte, implementar parte do seu programa anti-aborto, a resposta eleitoral nos Estados foi unânime: ele permaneceu legalizado. Até mesmo o Kansas, um dos Estados mais conservadores dos Estados Unidos, votou a favor da manutenção de Roe x Wade. Isso preparou terreno para as eleições. 

As perspectivas não eram boas: o Partido Democrata não conseguiu avançar com o Green New Deal, uma de suas principais plataformas mais à esquerda, aprovando apenas uma legislação fraca e sem valor efetivo. Os jornais falavam em “Tsunami Vermelho”, prevendo a vitória do Partido Republicano no Senado e na Câmara. Ainda que a perda do controle das casas legislativas seja relativamente comum nas eleições de meio de mandato, se previa uma derrota história do Partido Democrático, que cravaria o fim das possibilidades de reeleição de Joe Biden. Não foi o que aconteceu. O PD teve o melhor resultado da sua história, mantendo o controle do Senado, e perdendo a Câmara por poucos votos. Conseguiram, além disso, a eleição de candidatos chave, como Sumer Lee, na Pensilvânia, Greg Casar, no Texas, Maxwell Frost, na Flórida, e Rebecca Baling, em Vermont.

Esse resultado não surge do nada: é fruto da luta social em efervescência nos Estados Unidos. Se o ano começa com a dinâmica da luta das mulheres, ele fecha com a efervescência da luta sindical. Funcionários da Starbucks em greve em mais de 100 lojas, o surgimento de sindicatos na Amazon e na rede de supermercados Trader’s Joe e a greve ferroviária são apenas alguns dos exemplos mais explosivos. A dinâmica pró-sindicatos só vem começando, e atinge até mesmo setores historicamente menos mobilizados, como os jornalistas e funcionários do jornal New York Times, que fizeram uma paralização de 24 horas. É símbolo do avanço das lutas sociais, que terminam o ano mostrando seu potencial de dinâmica para 2023.  

Movimentos de placas teutônicas na Ásia

Dois países foram os principais destaques deste ano na Ásia.  No Irã, já há mais de dois meses de mobilizações em massa desencadeadas pelo assassinato do jovem Mahsa Amini, presa e espancada pela “polícia de moralidade”.

Apesar da repressão sistemática, dos mais de 330 mortos e dos prisioneiros executados no corredor da morte, as massas iranianas continuam protestando em todo o país com mulheres e jovens na vanguarda. É um confronto de ruptura de massa com o regime cada vez mais autoritário dos aiatolás.

Por outro lado, no gigante asiático, a segunda potência mundial, o Congresso do Partido Comunista Chinês em outubro (leia artigo de Pierre Rousset na última edição da Revista Movimento) reafirmou e aumentou os poderes de Zi Xinping, promovendo uma virada mais autoritária do regime, sustentada pela derrota da rebelião popular em Hong Kong. Um mês depois, as maiores mobilizações a ocorrer na China desde Tianamen aconteceram. O incêndio no qual dez moradores morreram como resultado da política total de bloqueio anti-Covid do governo, inflamou a indignação dos moradores já cansados com bloqueios autoritários e levou a mobilizações em numerosas cidades. Como resultado, o regime do estado-partido teve que mudar bastante, o que levou a um aumento qualitativo dos contágios. Ambos mostram que as mobilizações contra o regime burocrático estão bastante vivas.

Comissão Internacional do MES/PSOL


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Pedro Micussi